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L`absurde chez Camus

Publié le 10/06/2022

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« Camus, em Núpcias, relacionou, de maneira metafórica, a cidade Djémila como o próprio símbolo da morte; uma cidade sem vida, fechada em si mesma.

Nela o homem sente-se preso, impossibilitado de prosseguir, pois lá todos os caminhos se encerram.

Não há perspectivas; “há dias em que a Natureza mente, há dias em que diz a verdade.

Djémila diz a verdade esta tarde e com que triste e insistente beleza!”.

(CAMUS, 1959, p.14) Segundo Barreto, Camus identificou Djémila com a morte por interpretá-la como o lugar do qual não há saída. “O vento em Djémila é uma meditação poética sobre a morte; a nostalgia invade a alma de Camus, que resiste.

A morte, como Djémila, não abre as portas sobre outra vida, pois é uma porta fechada atrás da qual nada existe. Existe em cada homem a consciência de que uma ‘morte sem esperança’ será seu fim”.

(BARRETO, s/d, p.38) O deparar-se com a perspectiva da morte, e que não é possível evitá-la, traz, em si, algo forte, violento e atemorizante para Camus: “Um homem jovem olha o mundo de frente.

Ainda não teve tempo de polir a idéia da morte ou do nada, cujo horror, todavia, já mastigou.

Deve ser isto a juventude: o duro diálogo com a morte, o medo físico de animal que ama o sol”.

(CAMUS, 3, s/d, p.19) Estar consciente que a morte impõe o fim da existência e que nem o mundo tão pouco a felicidade poderá impedi-la, mesmo quando o homem está diante da 19 natureza que transpira vida, é por demais violento: “tudo respira o horror de morrer numa terra que convida à vida”.

(CAMUS, 3, s/d, p.32) Morrer é o avesso do mundo, viver é o direito à felicidade.

Morrer para o mundo é encontrar, antes, a felicidade nele e estar aberto a ela para, adiante, ir de encontro ao que não pode ser evitado.

Nem mundo, nem felicidade podem evitar, mas pode o homem, ao encontrar em seu próprio avesso – a morte – o direito em si mesmo – a felicidade.

E o mundo encerrará não a existência humana, mas existência indivisa de um só.

A felicidade não terminará em si mesma, mas terá fim para um único homem. E quando a felicidade já não for possível, a terra já não puder proporcionar a felicidade sensível, não significará abandoná-la ou negá-la.

Haverá a necessidade de estar consciente, de viver e morrer em plenitude, própria do homem: “(...) sei, diante deste mundo, que não desejo mentir, nem que me mintam. Quero suportar minha lucidez até o fim e contemplar minha morte com toda a exuberância de meu ciúme e de meu horror”.

(CAMUS, 3, s/d, p.20) Guimarães considera que o sentimento de morte presente em O avesso e o direito permite entrever o ser-para-a-morte de Heidegger.

A morte deixa de ser um último ato e se mostra como uma estrutura permanente do ser humano.

“O homem é um ser morrente (...) É uma consciência que não se quer negar”.

(GUIMARÃES, 1971, p.33) Para Camus, viver significa lutar para ser feliz, não ser conduzido por sentimentos de desalento.

O mundo sensível é como uma promessa de felicidade. Portanto, não há qualquer sentido além dele; não há porque buscar esperanças, deuses ou consolações fora dele.

Esta busca desvia o homem de seu destino, pois: “(...) se deveras existe um pecado contra a vida, talvez não seja tanto o de se desesperar com ela, mas o de esperar por outra vida, furtando-se assim à implacável grandeza desta...

Da caixa de Pandora, na qual fervilhavam os males da humanidade, os gregos fizeram sair a esperança em último lugar, por considerá-la o mais terrível de todos.

Não conheço o símbolo mais emocionante do que este.

Porque a esperança, ao contrário do que se crê, equivale à resignação.

E viver não é resignar-se”.

(CAMUS, 3, s/d, p.25) A transcendência foi rejeitada por Camus.

Ele deseja que o homem tenha consciência e lucidez e que estas conduzam à negação da divindade e à aceitação da contingência humana.

Todd, a este respeito, observa que “o homem diz não à 20 sua condição de ser mortal, e à criação.

A revolta metafísica é recusa, consciência dessa recusa é consciência de si”.

(TODD, 1998, p.558) O ateísmo de Camus, em Núpcias, é intuitivo.

A transcendência se lhe apresenta como desistência, como negação da própria condição humana.

Nesse sentido, Todd considera que “quando o homem se desvencilha de Deus, entra na história”.

(TODD, 1998, p.558) “Se rejeito obstinadamente todos “os mais tardes do mundo”, é porque se trata, da mesma forma, de não renunciar à minha riqueza presente.

Não me agrada acreditar que a morte se abre para outra vida.

Para mim, ela é uma porta fechada.

Não digo que seja um passo que não tenha de ser dado; uma aventura horrível e suja.

Tudo o que me é proposto esforça-se por libertar o homem do peso de sua própria vida”.

(CAMUS, 3, s/d, p.18) A busca pela felicidade terrena e concreta tem, como contraste, a presença constante da morte.

Em Núpcias em Tipasa, O Vento em Djémila e em o Verão em Argel transparece o limiar entre ser feliz e morrer. A vida é imanente, sem eternidade, sem imortalidade e, para ser fiel a este mundo, sem nenhuma fuga para o absoluto, cabe ao homem buscar o encontro com a natureza.

A verdade é uma verdade terrena, pois “(...) os homens morrem, apesar deles próprios, apesar de seus disfarces”.

(CAMUS, 3, s/d, p.20) A única possibilidade é a felicidade na natureza, pois ela é por si só quando nada mais resta, porque “nenhum absoluto nos chama para fora deste mundo”.

(GUIMARÃES, 1971, p.19) Para Moeller, “A descrença de Camus é uma descrença apaixonada; sua incredulidade não se baseia em pretensas contradições entre a ciência e a fé, mas numa rejeição raivosa a qualquer ideologia.

O homem, só o homem a quem dar imediatamente a felicidade, é a sua meta.

(...) Em meio a um mundo onde “a tragédia é a política” (...) o homem de Núpcias volta-se para o homem concreto, aquele que vê com seus olhos e com o qual se acotovela na rua”. (MOELLER, 1959, p.44) Camus considera pobres os que precisam se servir de crenças e religiões, pois “os mitos têm para a religião o mesmo significado que a poesia para a verdade: máscaras ridículas que escondem a paixão de viver”.

(CAMUS, 3, s/d, p.44) Para ele, essas verdades ideais são a própria negação do homem, pois almejar a felicidade futura é deixar de lutar pela felicidade possível, palpável, presente. Enfatiza que o homem precisa insurgir-se contra a morte, contra a injustiça e contra 21 a resignação: “tudo em mim protestava contra semelhante resignação (...) e minha resignação (...) e minha revolta tinham razão de ser”.

(CAMUS, 3, s/d, p.42) Apesar da consciência da morte, o homem pode ser feliz, pois o “único apelo é o da natureza”.

(GUIMARÃES, 1971, p.29) E se a felicidade é terrena, ela pode ser interrompida a qualquer momento.

Permanece, contudo, o desejo de união com o mundo.

Guimarães ressalta ainda que “a vivência de uma felicidade terrena tem de ser interrompida.

Mas há algo que fica.

Permanece alguma coisa do mundo em nós. Ou a paz da natureza ou o desejo de novas bodas com o mundo”.

(GUIMARÃES, 1971, p.29) Camus considera que, “O que é a felicidade senão a simples harmonia entre um ser e a sua própria existência? E que harmonia mais legítima pode unir o homem à vida do que a dupla consciência de seu desejo de duração e de seu destino de morte? Graças a isso, ao menos se prende a não contar com coisa alguma e a considerar o presente como a única verdade que nos é oferecida à guisa de gratuidade”.

(CAMUS, 3, s/d, p.45-46) Para compreender a ânsia pela busca da felicidade sensível e a negação da idéia de transcendência, de pecado e de inferno, há necessidade de considerar a cultura mediterrânea na sensibilidade de Camus.

Barreto comenta que, “(...) a busca da felicidade foi marcada por suas origens mediterrâneas. Camus foi antes de tudo, e esta característica perdurou em toda a sua obra, um homem do sol, reagindo contra as nebulosas construções intelectuais que tentavam explicar o mundo (...) Começou a escrever para atestar uma atitude diante da vida, característica dos países mediterrâneos”. (BARRETO, s/d, p.27-28) O ambiente mediterrâneo revela formas naturais belíssimas e há contato físico direto dos homens com a natureza.

Cruickshank comenta que “A obra de Camus demonstra seu amor pelas coisas sensíveis, um sentido profundo de toda tradição mediterrânea”.

(CRUICKSHANK, 1968, p.41) De acordo com Barreto, “o prazer físico e o sensualismo em geral representam, para o africano, um dos bens da vida que devem ser usufruídos, sem as complicações e limitações impostas pela Igreja no continente europeu”.

(BARRETO, s/d, p.28) O norte africano compreende e desfruta a vida de maneira diferente do europeu influenciado pelo cristianismo.

A sensualidade é considerada como um objetivo e como um bem a ser desfrutado; o 22 homem vive livre e intensamente o prazer físico, sem culpas nem peias religiosas2 . O sentido da vida reside em trabalhar e gozar a vida.

“Começa-se a trabalhar desde muito jovem e adquire-se em dez anos a experiência de toda uma vida humana”. (CAMUS, 3, s/d, p.29) Em um ambiente ensolarado e cheio de vida, a espiritualidade ou a intelectualidade esvaziam-se.

Pertencer a este ambiente significa usufruir, ao máximo, sua concretude: “Aqui não existe nada para aquele que deseja aprender, educar-se ou tornar-se melhor.

Esta terra não oferece lições.

Nada promete nem deixa entrever.

Contenta-se em dar, fazendo-o prodigamente (...) o que ela exige são espíritos clarividentes, quero dizer, sem consolo”.

(CAMUS, 3, s/d, p.23/4) A razão de viver reside no próprio viver, uma vez que a questão relacionada à outra vida não é relevante.

Não há esperança nem redenção, como observa Russ: “Os valores se acham afirmados, não a partir de uma referência a um universo ideal, não a partir de algum ‘outro mundo’ mas no seio daquilo que, hic et nunc, nos é dado.

A ciência dos juízos morais repudia então todo apelo às transcendências diversas (Deus etc).

Resiste às sereias do Sagrado para se voltar ao desejo, à felicidade, à alegria, à realidade etc., onde se ancoram (...) valores e normas axiológicas”.

(RUSS, 1999, p.61) Camus afirma que “este céu e estes rostos para ele voltados, nada existe em que se possa fixar uma mitologia, uma literatura, uma ética ou uma religião; mas, tão somente, pedras, carne, estrelas e estas verdades que a mão consegue tocar”. (CAMUS, 3, s/d, p.33) Contudo, o povo argelino tem suas próprias normas, há respeito pelos laços familiares, solidariedade e compaixão pelo outro; “têm sua moral bem definida e caracterizada”.

(CAMUS, 3, s/d, p.30) As noções de pecado e de inferno são destituídas de sentido para eles, que vivem e respeitam os valores mundanos, sem limitações que controlem a sensualidade e sem questionarem a existência, ou não, de valores transcendentes.

Camus destaca que, “Há certas palavras cujos significados jamais cheguei a compreender bem como, por exemplo, pecado.

Creio, porém, poder ter a certeza de que os homens (refere-se aos habitantes de Argel) nunca pecaram contra a vida. 2 A partir do início dos anos 50, Camus, após ouvir um sermão do pastor metodista Howard Mumma, inicia com ele uma série de encontros onde discutiam sobre teologia e existencialismo.

Desses encontros restou um livro, Albert Camus e o Teólogo.

De acordo com Mumma, Camus tinha ânsia de encontrar, talvez na fé, um sentido para a vida. 23 Pois, se deveras existe um pecado contra a vida, talvez não seja tanto o de se desesperar com ela, mas o de esperar por outra vida, furtando-se assim à implacável grandeza desta”.

(CAMUS, 3, s/d, p.35) Sendo o mundo promessa de felicidade, é nele que o homem deve encontrar, na manifestação da alegria da sua vida sensual, uma forma de felicidade.

Barreto observa que, “A moralidade é pré-cristã e, por isso, alguns críticos apressam-se em descobrir no escritor (Camus) uma tendência neo-pagã, quando, na verdade, o que lemos em suas obras é o reflexo da moralidade corrente nesses países”.

(BARRETO, s/d, p.28) Viver significa lutar nesse mundo para ser feliz com aceitação da própria condição, sem necessidade de apelação, ou de busca fora dele ou de qualquer outro sentido.

Alves acrescenta que, “Camus se recusa a aplicar a essas ‘núpcias’ entre homem e natureza qualquer definição ou mito que a explique, para que tal experiência, sempre única, não dê lugar a um modelo na forma de sentir e de se relacionar com o mundo”.

(ALVES, 2001, p.40) Para Camus, o homem europeu não se identifica com o mundo em que vive porque está impregnado pela cultura judaico-cristã, na qual a concepção de pecado, inferno e vida feliz futura, que transcendem à vida terrena e são essenciais à razão de ser, são preceitos que desviam o homem das preocupações de seu verdadeiro destino, que é realizar-se e ser feliz no momento presente. Compreender a concepção camusiana não é simples quando considerada sob a ótica européia; “Compreendo bem que semelhante povo não possa ser aceito por todos.

A inteligência, aqui, não ocupa lugar especial, como na Itália.

Esta é uma raça indiferente ao espírito.

Tem o culto e a admiração do corpo.

Disso derivam sua força, seu cinismo ingênuo e uma vaidade pueril, que lhe vale ser severamente julgada.

Em geral, reprova-se sua “mentalidade”, isto é, seu modo de ver e viver.

É certo, porém, que certa intensidade de vida não pode existir sem injustiça.

Trata-se de um povo sem passado, sem tradição e, no entanto, não destituído de poesia (...) O contrário de um povo civilizado é um povo criador.

Tenho a esperança insensata de que esses bárbaros, que se estiram descuidadamente nas praias, talvez, estejam, sem saberem, modelando o rosto de uma cultura em que a grandeza do homem encontrará por fim seu verdadeiro rosto.

Este povo inteiro, voltado para o presente, vive sem mitos, sem consolo”.

(CAMUS, 3, s/d, p.32-33) 24 Em sua concepção, o mundo não está na tradição judaico-cristã, mas sim na Grécia, na postura grega diante da vida, na aceitação, pelo homem, do próprio destino e na busca da felicidade; “Durante os últimos vinte séculos, os homens se obstinaram em procurar tornar decentes a insolência e a ingenuidade grega, em subtrair importância à carne e em complicar a vestimenta.

Atualmente, passando por cima de toda essa história, a corrida dos jovens pelas praias do Mediterrâneo reencontram os mesmo gestos magníficos dos atletas de Delos”.

(CAMUS, 3,s/d, p.25) Para ele o pensamento grego tem consciência de limite, não nega o ‘direito e o avesso’; esforça-se por manter o equilíbrio dos antagonismos da existência, mas vive intensamente seu momento, enquanto o pensamento europeu rompe o equilíbrio entre o homem e a natureza.

Cita Plotino: “A união almejada por Plotino, que pode haver de estranho em encontrá-la na terra? A unidade exprime-se aqui, em termos de sol e de mar”.

(CAMUS, 3, s/d, p.34) Desta forma, para Camus, viver projetando uma vida feliz futura, pós-morte, não faz sentido; os deuses não são necessários; a transcendência é alienação, fuga da própria natureza.

A única ética possível é a ética da sensibilidade, na qual o bem se identifica com o belo; a ação má é toda aquela que contraria e violenta a natureza e, conseqüentemente, ao próprio homem.

A felicidade deve ser buscada nessa realidade e durante toda existência: “De que maneira consagrar a harmonia do amor e da revolta? A terra! Neste grande templo abandonado pelos deuses, todos os meus ídolos têm pés de barros”.

(CAMUS, 3, s/d, p.50) Tal como Nietzsche ao criticar o transcendental, afirmou que não existiam boas razões ou motivos para acreditar em Deus.

Küng afirma que, “Nietzsche está firmemente convencido de que vivemos em um tempo de incerteza, de ruptura, de decadência” (KÜNG, 2005, p.432).

Em seu aforismo §125, em A Gaia Ciência, Nietzsche aludiu à morte de Deus.

Para ele, sem Deus, também a moral tradicional perdeu fundamento e, se os valores da vida não são dados por Deus, então devem ser criados pelo homem.

Tungendhat enfatiza que, em Nietzsche, a característica humana de transcender para algo é fundamental, e relaciona-se a Deus.

Em Camus este sentido diverge na raiz que contém, pois, para ele a referência é o mundo concreto, lugar que o homem habita, vive e morre.

Porém, nas inferências feitas por Tungendhat referindo-se a Nietzsche, destaca-se que o sentido volta-se para o interior do homem; 25 “O que diferencia o homem de outros animais é que sua vontade vai além: para a vontade humana parece ser necessário que todo querer seja entendido em relação a um sentido da vida.

(...) Ao invés de obedecer aos valores dados (valores supra-sensíveis), o homem criaria seus valores.

Isso significa que a transcendência para o sentido da vida voltar-se-ia para o interior do próprio ser humano.

Poder-se-ia, então, falar de uma transcendência imanente, quer dizer, de um ir além que precisamente não seria um ir a algo além do natural, mas um ir além do ser do homem”. (TUNGENDHAT, 2002, p.48) A felicidade, sentida na união do homem com o mundo sensível, conduz ao enfrentamento de limitações que o impedirão de ser plenamente feliz; nessa busca, sente-se um estranho.

Barreto afirma que, “A maior intensidade da vida traz consigo o maior absurdo.

O pensamento camusiano pretende racionalizar e superar essa contradição.

A felicidade consistirá na luta constante contra o absurdo da experiência humana”. (BARRETO, s/d, p.42) Percorrer estas obras de Camus permite alcançar suas reflexões acerca do encontro com a natureza e a identidade necessária ao homem para reconhecer-se nela.

O mundo, através desse encontro, abre-se para a felicidade humana, permitindo o enlace homem-mundo, perfeita comunhão para a realização da felicidade.

Em contrapartida, a dor, a morte e a miséria fazem com que haja o enfrentamento com o absurdo, pois, simultaneamente à felicidade e à vida, contrapõem-se seus negativos – dor e morte.

O avesso e o direito diante do homem provocam a ruptura, a incredulidade e o afastamento, desfazendo as núpcias entre homem-mundo. As concepções de ‘avesso e direito’ estão presentes em Camus de maneira intensa, pois são as contraposições que permeiam a existência humana tão amplamente abordada por ele. A ruptura do enlace homem-mundo permite, nas obras O Estrangeiro e Calígula, compreender o enfrentamento do absurdo, mas, muito mais, a consciência que é despertada no homem diante dele. Ressalta-se que estas obras completam as reflexões camusianas no capítulo terceiro do presente trabalho. 26 2.

O MITO DE SISIFO – O ABSURDO DA EXISTÊNCIA 2.1 A gênese do absurdo Camus, em O Mito de Sísifo, analisa o sentimento do absurdo, que emerge através da constatação das contraposições com que o homem se depara diante do mundo e, também, de vivências do autor. A reflexão sobre o absurdo é questão primordial.

Na opinião de CantoSperber “o sentimento de absurdo aparece como ponto de partida, o mais comum da reflexão sobre a existência humana”.

Não se trata de uma reflexão que utiliza o absurdo, mas sim, quando “analisava o sentimento do absurdo em Le Mythe de Sisyphe, andava a procura de um método e não de uma doutrina.

Praticava a dúvida metódica.

Procurava fazer ‘a tábua rasa’ a partir da qual se pode começar a construir”.

(CANTO-SPERBER, 2001, p.219) Camus, ao definir o conceito absurdo, constata que a existência é absurda, diferentemente da interpretação ou definição comumente dada ao termo.

O prefácio de O Mito de Sísifo permite compreender a complexidade que o termo alcança: “aqui encontrará o leitor apenas a descrição, em estado puro, de um mal de espírito, a que, de momento, nenhuma metafísica, nenhuma crença se mesclam.

Tais são os limites e o único preceito deste livro”.

(CAMUS, 6, 1942, p.12) A experiência vivida é muito mais abrangente do que a conceituação; “O sentimento do absurdo pode esbofetear qualquer homem à esquina de qualquer rua. Em si mesmo, na sua nudez desoladora, na sua luz sem esplendor, é inapreensível”. (CAMUS, 6, 1942, p.24-5) O sentimento, contido nesta afirmação, como também na seguinte, fundamenta, peculiarmente, a interpretação que Camus confere ao termo: “uma só coisa: esta espessura e esta estranheza do mundo – é o absurdo”. (CAMUS, 6, 1942, p.29) O Mito de Sísifo alcança a constatação da existência absurda; as conclusões são importantes, mas fundamentais são as conseqüências da análise racional acerca da realidade absurda que são postas pela constatação.

O Mito de Sísifo inicia com o questionamento do sentido da existência para, posteriormente, abordar outras indagações; “se a vida merece ou não ser vivida, é responder à questão fundamental da filosofia”.

(CAMUS, 6, 1942, p.15) Para tanto, compreender a 27 questão que Camus propõe, necessário se faz ampliar, através da obra O Mito de Sísifo, as considerações feitas. A existência, em si, não tem sentido a não ser que o homem lhe confira ou determine algum.

Canto-Sperber, sobre esta reflexão, considera que “a ausência de sentido da vida humana é conseqüência da ausência de sentido no mundo natural”. (CANTO-SPERBER, 2001.

p.213) Camus desvela a absurdidade3 da existência e as diferentes reações que o ser humano tem frente às experiências existenciais, como doença, velhice, solidão, angústia e morte.

O cotidiano limita o homem.

O mundo não corresponde ao que o homem deseja e não o recompensa por seus esforços.

Mesmo tendo consciência de que faz parte do mundo, a concretude se lhe apresenta sem proporcionar identidade.

Contudo, como comenta Guimarães, é ciente da separação com o mundo, pois tem consciência da morte.

“É pela morte que nossa sensibilidade chega ao absurdo”.

(GUIMARÃES, 1971, p.31) É inerente ao homem a ânsia de ser feliz e compreender o mundo.

Ao deparar-se com o limite que o cotidiano impõe, frustração, angústia e vazio se mesclam diante da harmonia que a natureza contém.

O mundo é indiferente aos anseios e desejos humanos e segue seu curso: “Esse divórcio entre o homem e a sua vida, entre o ator e o seu cenário, é que é verdadeiramente o sentimento do absurdo”.

(CAMUS, 6, 1942, p.18) Para Camus o absurdo é inerente à condição humana, e ainda, é resultado da relação entre o homem e o mundo; para o homem, a lucidez se contrapõe ao cotidiano, e ele deseja transpor o cotidiano, dar sentido ao mundo, mas essa exigência se perde na desordem deste mesmo mundo.

Todavia, o absurdo é captado pela inteligência, mas, a dualidade entre mundo e existência humana, é possível ser apreendida apenas pela sensibilidade.

Através da análise puramente lógica, a inteligência não alcança o sentimento ou o sentido do absurdo, uma vez que ele é vivido ou vivenciado.

A lógica, para Camus, é necessária, mas não é possível ser lógico continuamente, pois, frente às evidências da natureza, esvaziase.

A lógica racional não comporta a abstração do sentimento do absurdo em face do jogo desumano entre a absurdidade do mundo e o homem, mas é necessária à tenacidade e à lucidez a interpretação do absurdo.

A partir das ações humanas, as 3 Absurdidade (s.

f.): Contrário as leis da razão, ao bom senso.

Relativo a absurdo.

Relaciona-se com o termo de raiz: o adjetivo absurdo.

(N.A.) 28 manifestações do absurdo são passíveis de serem compreendidas pela inteligência. Desta forma, o absurdo camusiano transfere-se para a realidade humana: o “clima do absurdo está no início”.

(CAMUS, 6, 1942, p.26) Canto-Sperber contrapõe-se considerando que, “dizer que uma coisa é absurda significa admitir que não se sabe o que ela significa, que ela não corresponde ao requerido pela situação”.

(CANTOSPERBER, 2001, p.214) Camus afirma que, na medida em que o absurdo é captado pela sensibilidade, não há método capaz de contê-lo, pois o sentimento é inacessível à inteligência racional; “Porque os métodos implicam, atraiçoam, sem se dar conta disso, as conclusões que por vezes pretendem não conhecer ainda.

Assim, as últimas páginas de um livro já estão nas primeiras.

Esta ligação é inevitável.

O método aqui definido confessa o sentimento de que todo o verdadeiro conhecimento é impossível.

Só as aparências podem enumerar-se e o clima fazer-se sentir”.

(CAMUS, 6, 1942, p.26) No plano racional, o homem procura distinguir o verdadeiro do falso.

Uma vez que o mundo não pode ser reduzido a categorias puramente racionais, a inteligência desperta o homem para o sem sentido, e é decisiva na captação, na compreensão do absurdo.

Por ela, inteligência, o homem toma consciência do mundo que o rodeia como um obstáculo.

Assim, “O desejo profundo do espírito, mesmo nas suas diligências mais evoluídas, une-se ao sentimento inconsciente do homem perante o seu universo: é exigência de familiaridade, apetite de claridade.

Compreender o mundo é, para um homem, reduzi-lo ao humano, marcá-lo com o seu selo”.

(CAMUS, 6, 1942, p.32) Sob a ótica camusiana, as verdades absolutas não são alcançadas pela inteligência; embora fundamental, alcança verdades relativas, parciais, estritamente humanas; “na psicologia como na lógica, há verdades, mas não há verdade”. (CAMUS, 6, 1942, p.34) Neste contexto, o homem se sente estranho neste mundo sem unidade, fragmentado e de verdades, sem alcançar a unidade pretendida, sendo que “essa nostalgia de unidade, esse apetite de absoluto, ilustra o movimento essencial do drama humano”.

(CAMUS, 6, 1942, p.32-3) O trabalho intelectual se mostra infinito, pois a verdade alcançada é parcial e não absoluta.

Por mais empreendedor que o homem possa ser, não esgotará a lacuna com a qual a inteligência se depara.

Camus comenta: 29 “Exceção feita aos racionalistas de profissão, desesperamos hoje do verdadeiro conhecimento.

Se fosse preciso escrever a única história significativa do pensamento humano, seria necessário fazer a dos seus arrependimentos sucessivos e das suas impotências”.

(CAMUS, 6, 1942, p.34) O homem conhece o que vivencia, o que experimenta.

A ciência pode apreender os fenômenos e classificá-los, mas não é capaz de apreender o absurdo à sua maneira. “Este coração em mim posso senti-lo e decido que ele existe.

Este mundo posso tocá-lo e decido que ele existe.

Aí pára toda a minha ciência, o resto é construção.

Porque, se tento alcançar este “eu” de que me apodero, se tento defini-lo e resumi-lo, ele não é mais do que água a escorrer-me por entre dedos.

(...) Mesmo este coração que é o meu ficar-me-á para sempre incompreensível.

O fosso entre a certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que tento dar a essa certeza, nunca estará cheio.

Serei para sempre estranho a mim mesmo”.

(CAMUS, 6, 1942, p.34) A inteligência humana é impotente, por isso é trágica.

O mundo é por si e não se deixa dominar por ela, não se reduz às dimensões humanas para ser entendido. Para ser entendido o mundo deveria ter características humanas, mas não as tem. Segundo Guimarães, para Camus,. »

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